terça-feira, 3 de outubro de 2017

SEnsações

Lá se passou uma montanha, lá se passou um burro Lá se passou uma serra, lá se passou um camponês Lá se passou um lago, lá se passou um menino Lá se passou o brilho, lá se ficou uma menina Lá se passou a alegria, lá se ficou um choro Lá se passou os sonhos, lá se ficou o concreto Lá se passou a desconstrução, lá se ficou a base Lá se passou a esperança, lá se ficou uma semente. Regou, brotou, cuidou, cresceu e não morreu ...

sexta-feira, 18 de março de 2011

Pecado




Aos treze anos meu caderno já não era secreto. E com um sentimento de culpa, como se houvesse cometido um pecado, algo me consumia, meu corpo todo ardia. O delito de ter escrito corrompia-me, estava sendo massacrada por mim mesma. Não sabia admiti aos outros o meu Mundo particular. Lá eu amava, odiava, matava, sorria, chorava. Uma imagem desnuda de mentiras, crenças e mitos.


Ter minhas próprias anotações representava meu alimento do dia-a-dia, minha fonte de energia. Mas aquela comida começara a sufocar-me, pois tudo denunciava minha essência. O que de obscuro ocorria por detrás da sombra. Velavam-se as ervas danosa. Inapetência. Eu não estava pronta para aceitar-me. Era escuro e silencioso. Era morrer dia após dia. E eu não me sentia renovada cada dia seguinte. “Eu não morria na sexta-feira e ressuscitava no domingo”.


Os pesadelos foram perversos. O abatimento físico e moral. Prefigurava tormentos, sofrimentos. Uma alma pecadora com temor do inferno. Ainda crente em anjos e demônios. Espírito insignificante, ázimo. E toda a autonomia, a intrepidez tornaram-se fagulhas de seu pedaço de pão. Tinha sede da morte. Restou-lhe pouco. Um corpo com dores e sem afeições. E sem um veneno, ou corte da navalha. Restava deitar-se. Tornara-se talvez uma ineixa.
Seria sua caminhada crucífera.

Decidira por fim ficar muda. Sem palavras.

.

domingo, 13 de março de 2011

Caminho




O normal seria que desaparecesse essa mania de fantasia. Do irreal, dos sonhos. Daquele mundo o qual não existia, além dos meus pequenos e manchados papéis. Eu tinha um poder de ouvir qualquer canção, de ser apenas eu. E com o colegial só intensificou o ato da invenção. Tornara-se a garota retraída. A tímida. Quando não estudava, entregava-se a livros literários. E novamente eram as histórias que tomava conta. Apossava-se com garras. E as garras eram tão afiadas, tão desafiadoras que o ato de tirá-las, doía, doía. Sangrava. Ah, como sangrava, saber que aquele mundo só meu, não fosse meu.


Existiam outros rostos. Amizades, tato, calor e toda essa pulsação que seres humanos provocam um ao outro. Uma parte do dia deslizava-se em brincadeiras, gargalhadas. E ao fim restava o suor, aquela gota salgada; última vida. E como um ato mecânico; sabíamos que era hora de ir para casa.
E a volta para casa, nunca fora sacrifício algum para mim. Na verdade desde muito pequena, por volta dos sete anos, o fascínio por livros sugava e tragava-me como um animal preste a câmera da morte, e por questão de segundos, acabava salvo. E ao final do processo de leitura sentia-me viva, realmente respirava. Estava inteira, e não pela metade.


Toda noite olhava os meus pés. Um ato mecânico, automático. E quando os via perto de mim, ficava segura, e o ato de cobrir-los com o lençol mantiveram-me protegida. E antes do apagar a Luz, só conseguia imaginar: tenho meus próprios pés. Posso andar, correr, cair e levantar. E até dormia pensando nisso; era como se já soubesse o significado do meu futuro. E pensar no futuro, e em tudo que se engloba nele, detona o medo. E o medo maltrata até os fortes espíritos. Mas também fortalece a caminhada. E o caminho é longínquo.

sábado, 12 de março de 2011

O Mundo



Desde pequena adquiri a mania de guardar dentro de mim milhares de histórias. A cada dia acumulava-se. Eram vidas cheias de ódio, amor, paixão, ora traição, ternura, amizade, riquezas. Aquilo tudo por muitas vezes deixaram-me a mil, quase enlouquecendo. E a cada história descobria que ainda me encontrava perdida. Perdida da minha verdade, de quem eu era. E dia após dia, as histórias iam sendo refeitas, e o passado esquecido. Contos foram repetidos, outros modificados, mas nada ficava concreto e gravado em minha mente. Todas as histórias eram como sonhos que no dia posterior só restavam pedaços, fragmentos. Fragmentos de mim.


Com o amadurecimento, aquelas histórias ganharam amplitude. A cada aparição, eram escritas. Traço a traço, em detalhes. E um belo dia tornou-se um caderno velho cheio de borrões. Borrões somente. Eram vidas sem nenhuma associação ou ligação. Vidas soltas, sem junção com a realidade ou qualquer outro tipo de semelhança com o tempo vivido. E aos 11 anos toda aquela imensidão de pensamentos era apenas meu esconderijo. A garota e seu caderno. A garota e seu mundo.