sexta-feira, 18 de março de 2011

Pecado




Aos treze anos meu caderno já não era secreto. E com um sentimento de culpa, como se houvesse cometido um pecado, algo me consumia, meu corpo todo ardia. O delito de ter escrito corrompia-me, estava sendo massacrada por mim mesma. Não sabia admiti aos outros o meu Mundo particular. Lá eu amava, odiava, matava, sorria, chorava. Uma imagem desnuda de mentiras, crenças e mitos.


Ter minhas próprias anotações representava meu alimento do dia-a-dia, minha fonte de energia. Mas aquela comida começara a sufocar-me, pois tudo denunciava minha essência. O que de obscuro ocorria por detrás da sombra. Velavam-se as ervas danosa. Inapetência. Eu não estava pronta para aceitar-me. Era escuro e silencioso. Era morrer dia após dia. E eu não me sentia renovada cada dia seguinte. “Eu não morria na sexta-feira e ressuscitava no domingo”.


Os pesadelos foram perversos. O abatimento físico e moral. Prefigurava tormentos, sofrimentos. Uma alma pecadora com temor do inferno. Ainda crente em anjos e demônios. Espírito insignificante, ázimo. E toda a autonomia, a intrepidez tornaram-se fagulhas de seu pedaço de pão. Tinha sede da morte. Restou-lhe pouco. Um corpo com dores e sem afeições. E sem um veneno, ou corte da navalha. Restava deitar-se. Tornara-se talvez uma ineixa.
Seria sua caminhada crucífera.

Decidira por fim ficar muda. Sem palavras.

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domingo, 13 de março de 2011

Caminho




O normal seria que desaparecesse essa mania de fantasia. Do irreal, dos sonhos. Daquele mundo o qual não existia, além dos meus pequenos e manchados papéis. Eu tinha um poder de ouvir qualquer canção, de ser apenas eu. E com o colegial só intensificou o ato da invenção. Tornara-se a garota retraída. A tímida. Quando não estudava, entregava-se a livros literários. E novamente eram as histórias que tomava conta. Apossava-se com garras. E as garras eram tão afiadas, tão desafiadoras que o ato de tirá-las, doía, doía. Sangrava. Ah, como sangrava, saber que aquele mundo só meu, não fosse meu.


Existiam outros rostos. Amizades, tato, calor e toda essa pulsação que seres humanos provocam um ao outro. Uma parte do dia deslizava-se em brincadeiras, gargalhadas. E ao fim restava o suor, aquela gota salgada; última vida. E como um ato mecânico; sabíamos que era hora de ir para casa.
E a volta para casa, nunca fora sacrifício algum para mim. Na verdade desde muito pequena, por volta dos sete anos, o fascínio por livros sugava e tragava-me como um animal preste a câmera da morte, e por questão de segundos, acabava salvo. E ao final do processo de leitura sentia-me viva, realmente respirava. Estava inteira, e não pela metade.


Toda noite olhava os meus pés. Um ato mecânico, automático. E quando os via perto de mim, ficava segura, e o ato de cobrir-los com o lençol mantiveram-me protegida. E antes do apagar a Luz, só conseguia imaginar: tenho meus próprios pés. Posso andar, correr, cair e levantar. E até dormia pensando nisso; era como se já soubesse o significado do meu futuro. E pensar no futuro, e em tudo que se engloba nele, detona o medo. E o medo maltrata até os fortes espíritos. Mas também fortalece a caminhada. E o caminho é longínquo.

sábado, 12 de março de 2011

O Mundo



Desde pequena adquiri a mania de guardar dentro de mim milhares de histórias. A cada dia acumulava-se. Eram vidas cheias de ódio, amor, paixão, ora traição, ternura, amizade, riquezas. Aquilo tudo por muitas vezes deixaram-me a mil, quase enlouquecendo. E a cada história descobria que ainda me encontrava perdida. Perdida da minha verdade, de quem eu era. E dia após dia, as histórias iam sendo refeitas, e o passado esquecido. Contos foram repetidos, outros modificados, mas nada ficava concreto e gravado em minha mente. Todas as histórias eram como sonhos que no dia posterior só restavam pedaços, fragmentos. Fragmentos de mim.


Com o amadurecimento, aquelas histórias ganharam amplitude. A cada aparição, eram escritas. Traço a traço, em detalhes. E um belo dia tornou-se um caderno velho cheio de borrões. Borrões somente. Eram vidas sem nenhuma associação ou ligação. Vidas soltas, sem junção com a realidade ou qualquer outro tipo de semelhança com o tempo vivido. E aos 11 anos toda aquela imensidão de pensamentos era apenas meu esconderijo. A garota e seu caderno. A garota e seu mundo.