domingo, 13 de março de 2011

Caminho




O normal seria que desaparecesse essa mania de fantasia. Do irreal, dos sonhos. Daquele mundo o qual não existia, além dos meus pequenos e manchados papéis. Eu tinha um poder de ouvir qualquer canção, de ser apenas eu. E com o colegial só intensificou o ato da invenção. Tornara-se a garota retraída. A tímida. Quando não estudava, entregava-se a livros literários. E novamente eram as histórias que tomava conta. Apossava-se com garras. E as garras eram tão afiadas, tão desafiadoras que o ato de tirá-las, doía, doía. Sangrava. Ah, como sangrava, saber que aquele mundo só meu, não fosse meu.


Existiam outros rostos. Amizades, tato, calor e toda essa pulsação que seres humanos provocam um ao outro. Uma parte do dia deslizava-se em brincadeiras, gargalhadas. E ao fim restava o suor, aquela gota salgada; última vida. E como um ato mecânico; sabíamos que era hora de ir para casa.
E a volta para casa, nunca fora sacrifício algum para mim. Na verdade desde muito pequena, por volta dos sete anos, o fascínio por livros sugava e tragava-me como um animal preste a câmera da morte, e por questão de segundos, acabava salvo. E ao final do processo de leitura sentia-me viva, realmente respirava. Estava inteira, e não pela metade.


Toda noite olhava os meus pés. Um ato mecânico, automático. E quando os via perto de mim, ficava segura, e o ato de cobrir-los com o lençol mantiveram-me protegida. E antes do apagar a Luz, só conseguia imaginar: tenho meus próprios pés. Posso andar, correr, cair e levantar. E até dormia pensando nisso; era como se já soubesse o significado do meu futuro. E pensar no futuro, e em tudo que se engloba nele, detona o medo. E o medo maltrata até os fortes espíritos. Mas também fortalece a caminhada. E o caminho é longínquo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário